Em Solidariedade ao Presidente Lula: O Apoio do IFFD à Reavaliação das Metas Fiscais

Prezado Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

Nós, do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), constituímos uma coletividade de economistas, acadêmicos e especialistas em economia e orçamento público, atuando não só no Brasil, mas em diversos 
outros países. Por meio desta carta aberta, expressamos nosso pleno apoio às suas recentes declarações acerca das metas de resultado primário e da condução orçamentária de nossa nação.

Sua abordagem, que confere prioridade ao investimento em obras e serviços públicos essenciais, em detrimento de uma adesão rígida e dogmática a metas de superávit primário, espelha o seu compromisso  com o bem-estar e a prosperidade da população brasileira, em especial sua parcela mais desfavorecida. Compartilhamos  sua visão de que a gestão orçamentária deve ser empregada como ferramenta para alcançar o pleno emprego com remuneração digna, a estabilidade de preços e o desenvolvimento sustentável.  As metas de resultado primário servem apenas aos interesses do mercado, visando obstruir a expansão quantitativa e qualitativa dos serviços públicos com o intuito de mercantilizá-los, sem nenhum compromisso com um projeto de desenvolvimento inclusivo e sustentável.

Reconhecemos os perigos inerentes à adoção de metas de resultados primários excessivamente restritivas e para as quais não há amparo nem teórico e nem empírico robusto. Políticas econômicas restritivas, além de prejudicarem a economia e a sociedade fortalecem aqueles que buscam subverter nossos valores democráticos e os direitos sociais e humanos consagrados na Constituição Federal de 1988, reafirmados pelas urnas que o elegeram. Em um contexto no qual forças autoritárias ainda ameaçam a estabilidade democrática do nosso país, seu posicionamento emerge como um bastião contra o retrocesso, reiterando a importância de políticas inclusivas e socialmente justas.

Defendemos uma abordagem orçamentária que esteja alinhada com os objetivos de promover o bem-estar social e o desenvolvimento inclusivo e sustentável.  As metas desse governo, pactuadas politicamente, devem ser as do crescimento, do emprego, da assistência social, da melhoria do ensino, da saúde, das condições do meio-ambiente. Aos economistas cabe oferecer ao governante as melhores alternativas para atingir essas metas que são muito concretas e afetarão de forma muito positiva a sociedade. Não faz sentido partir de uma meta orçamentária e subordinar os destinos da nação a essa abstração.

O IFFD permanece ao seu lado, Presidente Lula, comprometido em contribuir com análises e propostas que visem à construção de um Brasil mais equitativo, inclusivo e ecologicamente responsável. Depositamos nossa confiança em sua liderança, certos de que nos guiará rumo a um futuro no qual o progresso social, a democracia e a justiça econômica andem de mãos dadas, salvaguardando assim a democracia, o meio ambiente e o futuro da nossa nação.

Atenciosamente,

Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD).

Brasil, 29 de outubro de 2023.

Carta aberta do IFFD ao Presidente Lula

26 de setembro de 2022 

Prezado Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 
 
É com ânimo e esperança que nós, do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), lhe dirigimos aqui a palavra. Nosso Instituto reúne economistas e outros pesquisadores comprometidos com a divulgação das possibilidades abertas – para a garantia de direitos, o desenho de políticas públicas e a gestão macroeconômica – pelo reconhecimento da soberania monetária do Estado brasileiro, cujas finanças não se pode e não se deve pensar em analogia às finanças domésticas. Visamos responder em termos diretos, mas não simplórios, à questão colocada pelo sr. Presidente sobre o que fazer para resolver o problema do desemprego.  
Sabemos todos que a riqueza apropriada pelo capital nada mais é que a riqueza produzida pelos trabalhadores. Sabemos que, ao longo dos séculos, o desemprego tem sido um fenômeno inerente ao sistema capitalista. Testemunhamos que, no Brasil atual, o desemprego atinge uma vasta camada dos nossos trabalhadores, e que muitos outros trabalhadores estão sujeitos à precarização das condições de trabalho, à informalidade e ao subemprego – e também às consequências pessoais e socialmente deletérias dessa circunstância. 

Foi com muita clareza que, em evento recente, o senhor situou o problema do desemprego em vista dos consideráveis avanços tecnológicos que marcam a experiência contemporânea. Por um lado, não é possível ou desejável impedir os avanços tecnológicos, os quais têm potencial para gerar, além de ganhos de produtividade nas mais diversas atividades, a ampliação da oferta de bens e serviços e o advento de inovações aptas a facilitar e, até mesmo, a prolongar a vida humana. Por outro lado, é fato que na atual fase do capitalismo e na ausência de crescimento econômico e regulação estatal, os benefícios gerados pelo avanço tecnológico tendem a se concentrar, e têm se concentrado cada vez mais, nas mãos dos grandes empresários em detrimento dos trabalhadores e do conjunto da sociedade, num processo que amplia a desigualdade social e enfraquece a democracia. Assim, de maneira aparentemente paradoxal, os ganhos tecnológicos, ao invés de produzirem uma libertação da humanidade, podem agravar a deterioração do mundo do trabalho!  

O desemprego tende a deteriorar o tecido social em diferentes esferas: piora dos índices de fome e pobreza; agrava problemas relacionados à segurança pública; desestrutura as famílias e sabota a formação de nossas crianças; aumenta a incidência de problemas de saúde mental, inclusive acompanhados da elevação do número de suicídios e da dependência química. Tais efeitos são ainda mais cruéis para parcelas da população já marginalizadas por uma série de fatores estruturais, como as mulheres, as populações negras e indígenas e a comunidade LGBT+. 

Do ponto de vista macroeconômico, o desemprego significa um inadmissível desperdício do mais importante recurso produtivo de qualquer sociedade, o trabalho, que poderia ser direcionado para a resolução das nossas inúmeras carências sociais e de infraestrutura. Todos os brasileiros e brasileiras devem ter o direito de comer três refeições por dia com tranquilidade, tendo a segurança de sempre poderem alcançar seu sustento material com dignidade. Para isso, é necessário que o Estado se responsabilize por criar, ele mesmo, os empregos necessários a todos aqueles que estejam dispostos a trabalhar por um salário digno e com direitos trabalhistas garantidos. Programas de transferências de renda podem e devem vir em socorro dos que não têm condições de trabalhar, ou que não devem fazêlo. Mas para o caso daqueles que podem e querem trabalhar, mas não encontram emprego digno, cabe ao Estado empregá-los diretamente em um Programa de Garantia de Emprego (PGE), desenhado e gerido para esses fins. 

O Programa de Garantia de Emprego é uma política pública permanente que fornece oportunidades de emprego para qualquer pessoa que deseja trabalhar, independentemente de origem social ou étnica, gênero, faixa etária (respeitada a legislação restritiva do trabalho infantil) ou mesmo de qualificações profissionais ou experiência laboral prévia, qualquer que seja a situação da economia. Ainda que seja uma política permanente, o número de pessoas absorvidas no Programa deve variar inversamente ao comportamento do ciclo econômico: em momentos de expansão da economia, esperase um número menor de trabalhadoras e trabalhadores façam parte do Programa, que deverá se expandir novamente quando a economia mostrar sinais de desaceleração. 

As atividades a serem desempenhadas dentro do Programa de Garantia de Emprego visam produzir bens e serviços públicos em diversas áreas não concorrentes com os serviços e empregos públicos tradicionais, de acordo com as carências locais e avaliadas a partir das preferências democráticas dos membros de cada comunidade. Entre as atividades que podem ser desenvolvidas estão: o reflorestamento, a manutenção de árvores e bosques urbanos; o cuidado de idosos, adolescentes e crianças; as aulas de reforço escolar; as aulas de atividades lúdicas, de esportes e artes; a manutenção e melhoria de espaços públicos; a realização de pequenas obras de infraestrutura e zeladoria; a produção e distribuição de alimentos orgânicos em centros urbanos, e demais atividades demandadas pela comunidade local e que não agridam o meio ambiente. 

O Programa de Garantia de Empregos também é uma solução para os desafios impostos pela acelerada fragilização das relações trabalhistas decorrentes da nova forma de gestão do trabalho através de plataformas digitais – a chamada “uberização”, na qual o trabalhador presta serviços conforme a demanda e sem que haja vínculo empregatício ou qualquer direito garantido. Isso porque o Programa de Garantia de Empregos, ao ser implementado, assegura não só a concretização e efetividade do salário mínimo na economia, mas, também, consolida os direitos trabalhistas, como o respeito pela carga horária semanal, férias e todas as demais previsões trabalhistas consolidadas. Aliás, a possibilidade de determinação do teto de carga horária para um dado salário pode ser um poderoso instrumento para a repartição dos ganhos de produto resultantes das novas tecnologias. 

Ainda que nenhuma experiência pretérita tenha sido tão ousada como a que estamos propondo, vários países já fizeram experiências com programas de garantia de emprego. EUA, Índia e Argentina já implementaram, cada um à sua maneira, programas similares visando assegurar o direito ao emprego e à seguridade social. O exemplo americano vem do New Deal de Roosevelt (1932). Em 2005, a Índia implementou o NREGA, em vigor até hoje, empregando mais de 128 milhões de pessoas nas áreas rurais - uma lei que, de tão relevante, recebeu o nome da mais destacada personalidade indiana do século XX, Mahatma Gandhi. Em 2002, a Argentina implementou o plano Jefes y Jefas de Hogar — mais modesto do que os casos citados anteriormente, mas muito efetivo no combate à fome e à miséria. Mais recentemente, tivemos a implementação de um experimento de garantia de empregos na Áustria, inicialmente desenvolvido na cidade de Marienthal, onde é oferecida a garantia de um emprego devidamente remunerado a todos os residentes que estejam desempregados há mais de 12 meses. 

O Programa de Garantia de Emprego brasileiro poderá ser financiado sem dificuldade pelo governo federal, que goza de soberania monetária e pode, portanto, gastar o que for necessário para evitar o desperdício de sua força de trabalho e o sofrimento de pessoas desempregadas e de suas famílias. Como foi possível verificar de maneira cristalina durante o combate à pandemia em 2020, não falta e nunca faltou dinheiro para que o governo federal realize gastos na moeda que ele mesmo cria. E enquanto houver mão de obra desempregada em nossa economia, será sempre possível utilizar a capacidade irrestrita do Estado brasileiro de realizar seus pagamentos para dar proveito pleno ao potencial produtivo de nossos trabalhadores. Um governo verdadeiramente responsável com sua população deve encarar o desemprego como uma epidemia inclemente que, sem a devida proteção, espalha suas consequências nefastas sobre o conjunto da sociedade. Acreditamos que a vacina mais eficaz contra a epidemia do desemprego é o Programa de Garantia de Emprego como uma política permanente. 
 
Certos de que o seu futuro governo representará significativos avanços para o Brasil em nossa caminhada em direção à justiça social. 
 
Respeitosamente, 

Daniel Negreiros Conceição 
Presidente da Diretoria executiva do IFFD